O município de Presidente Sarney parece uma
versão maranhense das cidades do Velho Oeste americano: tudo se resume a uma
empoeirada avenida principal, cortada por ruas onde o asfalto é raro, e bodes,
bois e porcos pastam livremente. No dia em que o site de VEJA esteve na cidade,
na última quarta-feira, uma camionete da Polícia Militar patrulhava
incessantemente o ponto mais movimentado da cidade, como que em busca de
suspeitos. Mas Presidente Sarney fica no Maranhão: ao mesmo tempo, dezenas de
pessoas chegavam das áreas rurais amontoadas em paus de arara e se organizavam
em uma longa fila do lado de fora da casa lotérica onde são distribuídos os
recursos do Bolsa Família.
Grande parte da população de Presidente Sarney
vive na área rural, de agricultura familiar e extrativismo. O analfabetismo
está na casa dos 40%. A cidade é o melhor exemplo do que, 48 anos atrás, o
recém-eleito governador José Sarney apontava como o dilema maranhense: “O
Maranhão não suportava mais, nem queria, o contraste de suas terras férteis, de
seus vales úmidos, de seus babaçuais ondulantes, de suas fabulosas riquezas
potenciais com a miséria, com a angústia, com a fome e o desespero”.
O contraste continua. Em 2014, as casas de pau
a pique continuam existindo por todo o território maranhense. O Estado tem o
segundo menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Mas, hoje, às
vésperas de se aposentar, o outrora jovem político se tornou o maior símbolo
daquilo que dizia combater. Desde 1966, apenas um governador se elegeu contra a
vontade de Sarney: Jackson Lago, em 2006. Ele não concluiu o mandato porque foi
retirado do posto pela Justiça Eleitoral. Quem assumiu o cargo foi Roseana
Sarney. O nome de Sarney, seus parentes e aliados está presente em incontáveis
escolas, pontes, rodovias, avenidas, hospitais, fóruns e municípios – além de
Presidente Sarney, existe a cidade de Governador Edison Lobão.
Na pobreza, Presidente Sarney se iguala à maior
parte dos municípios do Maranhão. Obviamente, o ex-governador não inventou a
miséria no Estado. Mas, em cinco décadas, ele e seu grupo político foram
incapazes de dar aos municípios maranhenses um padrão de vida digno. Ao mesmo
tempo, recorreram a métodos condenáveis de cooptação política. Sarney assumiu o
cargo como um renovador: era um jovem político de boa formação intelectual e
pouco ligado aos coronéis. Aos poucos, ele concentrou um poder muito superior
ao dos cargos que ocupava.
As eleições deste ano ficarão marcadas pela
aposentadoria do ex-presidente da República, que se preparava para disputar
mais um mandato no Senado quando anunciou sua desistência em meio a um
prognóstico de incertezas na disputa. O cenário já foi melhor para Sarney. A
filha dele, Roseana, vai concluir em dezembro seu mandato de governadora e
também ficará fora dessas eleições. O favorito para sucedê-la é um adversário
histórico da família.
O nome que pode derrotar o grupo de Sarney é o
de Flávio Dino (PC do B), um ex-juiz federal que aparece com uma larga vantagem
nas pesquisas de intenção de voto. Ele tem a seu lado partidos de peso, como
PSDB e PP, e atrai até mesmo uma ala considerável do PT – que, oficialmente,
apoia Lobão Filho (PMDB).
“Nós queremos derrotar o Sarney como um caminho
para o Estado crescer. É um poder familiar, patriarcal, patrimonialista e
oligárquico impede que o Estado desenvolva suas potencialidades”, diz o
candidato comunista, que conta com apoio de PSB, PP e PSDB.
Já Lobão Filho, herdeiro político do grupo de
Sarney, não teme entrar para a história como o responsável por uma derrota
emblemática. “Tenho 195 prefeitos dos 217, tenho o dobro de tempo de televisão,
sou muito mais preparado que o candidato adversário. Quando começar a campanha
de verdade, tenho absoluta certeza da vitória do meu grupo político”, diz ele.
A perda de influência de Sarney é nítida.
Entretanto, não foi resultado de uma reviravolta súbita, nem de uma revolução
política no Estado. A decadência ocorre de forma lenta e constante. Um fator
importante é a simples renovação de eleitores. Edrielle de Cássia, por exemplo,
tem 17 anos e é estudante em Presidente Sarney. Mas o primeiro voto dela será é
de Flávio Dino. “O Sarney nunca fez nada pela nossa cidade”, diz ela.
Lobão Filho, apesar de herdeiro de uma figura
influente no Estado, também não é tão popular quanto os integrantes do clã
Sarney. “Se fosse a Roseana, era mais fácil. Mas não conheço o Lobão”, diz a
balconista Valdelice Chagas, da cidade de Central do Maranhão.
Há também os que se desiludiram com o grupo de
Sarney, como o fisioterapeuta Frederico de Araújo, que vive em Pinheiro –
terra-natal do ex-presidente: “Sempre votei neles, mas chega uma hora em que é
preciso mudar”.
Os eleitores fiéis ao ex-presidente,
entretanto, ainda são muito numerosos. “É igual casamento. Você pode se
desentender com sua mulher de vez em quando. Mas ruim com ela, pior sem ela”,
diz a funcionária pública Maria das Virgens Nogueira, moradora de Pinheiro e
fiel defensora de Sarney.
Independentemente do resultado das eleições
deste ano, a popularidade de José Sarney deve continuar em declínio. Mas
popularidade em queda não significa ostracismo. O homem mais poderoso do
Maranhão continua exercitando muito bem uma prática típica dos coronéis do
começo do século XX: o suporte ao presidente do momento em troca de sua
lealdade incondicional no Estado. Por isso, muito tempo ainda vai se passar até
que a influência de Sarney suma da política brasileira. Mesmo com o ex-presidente fora do poder público, ele
manterá seus indicados em estatais, continuará tendo grande poder nas decisões
do PMDB e manterá sua influência no Judiciário. Mas a História é escrita,
sobretudo, a partir de eventos simbólicos, e as eleições de 2014 podem ficar
marcadas como a derrocada do homem mais poderoso do Maranhão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário