Os trágicos episódios a que assistimos nas últimas semanas no
Maranhão chegam a lembrar épocas de total barbárie. Temos uma explosiva
combinação: o menor número de policiais por habitante do Brasil, com um governo
negligente na aplicação das leis e a ausência de comando em nosso estado, além
de obscena desigualdade social. Isso forma um cenário que é campo fértil para
organizações criminosas locais e “importadas” de outros estados. O resultado
tem sido pais e mães sendo assassinados nas ruas, ou perdendo seus filhos para
a violência e as drogas, e rebeliões em penitenciárias com matanças chocantes.
Na história da humanidade, a anteposição à barbárie é feita
justamente pela atuação do Estado, com seus órgãos de prevenção e repressão ao
crime. Quando dizemos Estado, falamos em Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário. No caso deste último, apesar dos seus vários problemas, é uma grave
injustiça ignorar o trabalho dos juízes da execução penal tentando evitar a
barbárie nas prisões. Os juízes cumpriram seu papel ao editar a Portaria
081/2013, em agosto, determinando ao Governo do Estado que separasse os presos
definitivos dos provisórios, como manda a lei. Os magistrados alertaram que “a
superpopulação carcerária e a mistura de presos definitivos e provisórios são
fatores que fortalecem facções criminosas dentro dos presídios e fomentam
graves violações dos direitos humanos, além de gerar tensão, violência entre
apenados, fugas, rebeliões e até mortes”. Mais claro, impossível.
Os juízes fizeram valer, justamente, um dos papéis mais
essenciais do Judiciário: o de fiscalizar e servir de contrapeso ao Poder
Executivo. A importância dos três Poderes remonta às formulações de Aristóteles
e, mais recentemente, ao florescer do liberalismo nos século 17 e 18. Desde então,
os iluministas defendem a importância de se dividir os poderes, com o objetivo
de conter abusos dos poderosos.
Os iluministas vinham da experiência de regimes tirânicos e
enxergaram a necessidade de criar contrapontos institucionais para deter a
sanha de alguns que se julgavam os donos absolutos do poder.
Séculos depois, após tentar desmoralizar o IDH, instrumento
chancelado pela ONU para medição do desenvolvimento de países, o senador Sarney
decidiu criticar o Judiciário por uma decisão que NÃO havia tomado, jogando no
colo de magistrados mortes ocorridas na Penitenciária de Pedrinhas.
A justa indignação dos juízes, liderados pelo presidente da
Associação dos Magistrados, juiz Gervasio Junior, fez prevalecer a verdade.
Como juiz que fui, por 12 longos e felizes anos, posso imaginar a dor que
magistrados sérios sofreram ao serem alvo de tão disparatado ataque.
Ultrapassado esse lamentável episódio, é relevante lembrar que a
segurança pública no Brasil é, sobretudo, competência constitucional dos
governos estaduais. Portanto, em vez de buscar transferir responsabilidades
para o Judiciário ou para quem quer que seja, é responsabilidade inalienável do
Governo do Maranhão garantir direitos civis como a segurança, a integridade
física e a liberdade de ir-e-vir. Em vez de ataques sem sentido, seria melhor a
oligarquia cuidar da construção de mais unidades prisionais, do desenvolvimento
de um adequado sistema de penas alternativas e do aumento do número de
policiais e agentes penitenciários no Maranhão. São caminhos necessários para
que a civilização prevaleça sobre a barbárie.
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