O Direito, como técnica de
organização da vida social e de solução das controvérsias, busca
permanentemente a superação de antinomias. Para isso servem os diversos métodos
de interpretação jurídica, entre os quais está o método lógico.
A votação da Câmara, ao não atingir o quorum constitucional
de deliberação para perda de mandato do deputado Donadon, conduz a resultado
ilógico, destituído de razoabilidade. Basta indagar: é possível a um cidadão
condenado criminalmente a regime fechado exercer um mandato parlamentar por
telepatia ou por e-mail ?
O sistema jurídico não possui lacunas absolutas. Sempre haverá uma regra
jurídica aplicável, que supra o aparente vazio normativo. Assim, parece-me que
há dois caminhos para a Câmara sair do labirinto em que, infelizmente, se
meteu.
O primeiro, é considerar que neste caso
não há preclusão consumativa, já que estamos diante de um ato administrativo
discricionário ( e não de um ato integrante do processo legislativo). Ou seja,
como não houve a formação de maioria absoluta, podem ser feitas novas votações,
mediante provocação fundamentada de qualquer partido político representado no
Congresso Nacional, repetindo-se o procedimento com ampla defesa.
Por simetria, é como se a votação – ao
não atingir o quorum de maioria absoluta em qualquer dos sentidos – fosse
equivalente a uma sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito
(não produzindo coisa julgada material). Há precedentes no Senado de repetição
de votações, no caso da apreciação de nomes indicados a cargos que exigem aprovação
parlamentar como condição de investidura.
Outro caminho está na incidência do
artigo 55, inciso II, da Constituição. Afinal, é óbvio que um parlamentar
condenado por crimes graves e a penas elevadas, recolhido a estabelecimento
penal em regime fechado durante o mandato, incide em procedimento incompatível
com o decoro parlamentar. Neste caso, não se debate o momento do cometimento
dos crimes, e sim o instante do início da execução da pena em regime fechado
como caracterizador da quebra de decoro.
Pode ter fato mais indecoroso do que um
parlamentar impedido de modo absoluto de exercer suas funções, por estar em
regime fechado em uma penitenciária?
Qualquer uma das soluções supera uma
contradição fática que não pode prevalecer, e é mais compatível com o princípio
da moralidade do que a concessão de licença a parlamentar em tão esdrúxula
situação. Vale destacar: deputado licenciado, deputado é.
Flávio Dino, professor de Direito
Constitucional (UFMA), Mestre em Direito Público (UFPE), foi juiz federal
(1994-2006) e deputado federal (2007-2011), quando integrou a Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara.
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