Pedro Lopes*
Do UOL, em
São Paulo
A 26ª fase
da operação Lava Jato expôs, nesta terça-feira, a existência de um
"departamento de propina" na empreiteira Odebrecht, que teria sido
utilizado para movimentar altas somas de dinheiro em pagamentos ilícitos para
agentes públicos e políticos principalmente em 2014. O esquema, no entanto,
pode ser muito mais antigo. Documentos mostram que, durante o mandato
presidencial de José Sarney (1985-1990), procedimentos bem semelhantes aos
apontados pelos investigadores da Lava Jato envolviam 516 agentes públicos,
empresários, empresas, instituições e políticos. Entre eles, há ex-ministros,
senadores, deputados, governadores, integrantes de partidos como PSDB, PMDB e
PFL (atual DEM).
O UOL teve
acesso a quase 400 documentos internos da empreiteira, a maioria datada de
1988, detalhando remessas e propinas a diversos políticos. A documentação
estava de posse de uma ex-funcionária da Odebrecht. Como no esquema divulgado
pela Lava Jato na terça-feira (22), eram utilizados codinomes para os
receptores dos pagamentos e as propinas eram calculadas a partir de percentuais
dos valores de obras da empreiteira nas quais os agentes públicos estavam
envolvidos.
A Odebrecht
afirmou "que não se manifestará sobre o tema". Todos os políticos
ouvidos negaram qualquer envolvimento em esquema de propinas com a construtora.
Na
documentação chamada "Livro de Códigos", havia uma lista, batizada de
"Relação de Parceiros", que detalha os codinomes de políticos,
agentes públicos e empresários relacionados às obras da Odebrecht nas quais
teriam atuado.
Um dos nomes
que aparecem é de Antonio Imbassahy, atual deputado federal pelo PSDB – que
tinha o codinome "Almofadinha", e estaria relacionado à obra da
barragem de Pedra do Cavalo, na Bahia. Imbassahy presidiu a Desenvale
(Companhia do Vale do Paraguaçu) nos anos 1980, quando era filiado ao PFL. A
Desenvale foi o órgão público responsável pela obra de Pedra do Cavalo.
Também do
PSDB, Arthur Virgílio, atual prefeito de Manaus, recebe o codinome
"Arvir". Do PMDB, são citados Jader Barbalho ("Whisky"),
atualmente senador, ligado à obra da BR-163, no Pará, e o ex-ministro de Minas
e Energia, senador Edison Lobão ("Sonlo"). Os
filhos do ex-presidente José Sarney, Fernando e José Filho,
aparecem com os codinomes "Filhão" e "Filhote";
Roseana Sarney, como seu nome de casada, "Roseana Murad",
aparece como "Princesa".
Na lista,
está também o ex-presidente e atualmente senador recém-desfiliado do PTB,
Fernando Collor de Mello ("Mel"), relacionado a um emissário
submarino construido na década de 1980, quando ele era governador de Alagoas.
Há também o nome de Aroldo Cedraz, atual presidente do TCU (Tribunal de Contas
da União), de codinome "Toldo" e ligado à obra adutora do Sesal – ele
ocupava na época os cargos de presidente da Cerb (Companhia de Engenharia Rural
da Bahia) e de secretário de Recursos Hídricos e Irrigação da Bahia.
O já
falecido ex-deputado federal e governador do Mato Grosso, Dante Oliveira
(1952-2006), que ficou famoso como o autor do projeto que pedia eleições
diretas para presidente nos anos 1980, tinha o apelido "Ceguinho" e
estaria relacionado a obras de canais em Cuiabá, cidade onde foi prefeito por
três mandatos.
"Esquema
sempre existiu, sempre foi esse"
"O
esquema naquela época era mais ou menos como esse divulgado essa semana, só não
tão organizado assim. Esse esquema de propina, de fraudar licitações, sempre
existiu na empresa. Aliás em todas as grandes, o esquema sempre foi esse",
explica Conceição Andrade, ex-funcionária da empresa e que trabalhou no
departamento responsável pelos pagamentos – a antecessora de Maria Lúcia
Tavares, que delatou o esquema atual na Lava Jato.
"Eram
porcentagens de valores das obras. Era feito o fechamento, e determinava um
percentual. A partir daí ocorria o superfaturamento e o pagamento. Tudo isso
era feito através de transações bancárias e dinheiro. É bem semelhante ao que
foi divulgado na Lava Jato, mas hoje tem um departamento específico para isso.
Naquela época era feito em nível de gerência, mas acredito que tenha funcionado
em diretoria e presidência também", completa Conceição.
"Quando
fui demitida e peguei os pertences pessoais, esses documentos estavam no meio
da caixa, acabaram vindo junto. As pessoas recomendaram que me desfizesse, mas
achei bom guardar. É preciso traçar um paralelo, mostrar que isso é antigo.
Alguns desses crimes podem até estar prescritos, mas isso tudo mostra que o
esquema vem de bem antes. A saída é reforma, não é demonizar o PT",
explica a ex-funcionária.
Investigação
Em 2015,
Conceição encaminhou toda a documentação detalhando as propinas para o deputado
federal Jorge Solla (PT-BA). Solla apresentou tudo em dois âmbitos: na Polícia
Federal e na CPI da Petrobras.
Os
documentos foram entregues ao delegado Bráulio Galloni, que, por sua vez,
remeteu tudo para Curitiba, sede da força-tarefa da Lava Jato. Atualmente,
estão na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal.
Outro Lado
O deputado
federal Antonio Imbassahy afirmou que é "um despropósito" a menção ao
seu nome na "Relação de Parceiros" da Odebrecht. "Como homem
público sempre tive uma relação baseada na decência com a Odebrecht e com
qualquer empresa."
O prefeito
de Manaus, Artur Virgílio Neto, enviou nota ao UOL, na qual afirma:
"Meu
pai, que tinha nome igual ao meu, era, nessa época, um simples senador cassado.
Eu era um ex-deputado, prefeito de Manaus entre 1989 e 1992, distante dos
governos federais desse período, que nunca se relacionou com a empresa
Odebrecht.
Não fui e
não sou parceiro de empresas e, em meio a esse charco todo, sempre me mantive
nos limites da seriedade pública.
Considero no
mínimo precipitada a formulação da pergunta sobre "propina".
Equivaleria a eu perguntar ao jornalista se ele vende opinião em matérias ou
artigos. Perdoe-me a dureza, mas sou cioso do patrimônio de honradez que herdei
e que transmito aos meus filhos.
Desviar o
foco dessa lama que vem cobrindo o Brasil pode terminar servindo de válvula de
escape para os que têm culpa real nos desmandos éticos que desmoralizam o
Brasil.
Nos meus
dois mandatos de prefeito, não houve nenhuma obra dessa empresa [Odebrecht].
Espero, sinceramente, que um veículo do peso e da respeitabilidade de vocês
saiba respeitar a honra de quem a possui."
Advogado
responde por Lobão e Sarney
O advogado
criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, negou que seus
clientes, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) e a ex-governadora Roseana Sarney,
tenham cometido qualquer ato ilícito.
"O
Brasil passa por um momento de criminalização da política. Isto é muito grave.
Vamos afastar da atividade política, que é essencial para qualquer país, as
pessoas de bem. E a delação passou a ser prova para incriminar, sem sequer
investigar. Um país punitivo não serve para a democracia. A palavra do delator
normalmente é falsa e estranhamente seletiva."
O UOL entrou
em contato com o assessor de imprensa de Collor, que informou não ter
conseguido contato com o gabinete dele em Brasília. A reportagem ligou para os
telefones do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e de seus assessores, mas ninguém
atendeu aos telefonemas. A assessoria do TCU não respondeu aos questionamentos
da reportagem. O UOL não conseguiu contato com Fernando Sarney e José Sarney
Filho.
*Colaboraram
Flávio Costa, Fabiana Maranhão e Ricardo Marchesan